Quando o invisível clama teu vil metal

on domingo, 21 de março de 2010


Eu moro em Santos, “Terra da caridade e da liberdade” - e da campanha “Em vez de esmola, ofereça ajuda”. Antes de conhecer Franceílton, eu não hesitava em, educadamente, negar as moedas que me pediam. Mas precisei conviver com esse morador de rua - nada estereotipado - durante algumas madrugadas frias para escrever umas páginas do livro “Vidas em Pauta - o cotidiano”. Não precisei ir muito longe para encontrar o meu personagem.
Eu voltava da padaria e lá estava o mendigo se preparando para dormir. Ele não pediu nada, mas andei duas quadras e voltei para a padaria. Pedi pão com manteiga e café com leite para viagem, uma viagem de pouco mais de um metro. Fazia muito frio e chovia torrencialmente. Ele deve ter escutado meus passos e percebeu que parei ao lado dele. Espiou pela porta de sua casa de papelão e recebeu minha oferta com um largo sorriso. Em troca, perguntou se eu queria um pouco de água e estendeu a mão com uma garrafa pet. Confesso que ao ver a garrafa pensei que fosse aguardente, mas não me senti em condição de julgar o meu próximo porque jamais precisei enganar a fome ou o frio. Aliás, o meu próximo é um vizinho, um vizinho sem teto. Acho que ele queria fazer amigos, conversar um pouco. O fato é que parei ali e logo descobri que ele não é um mendigo, mas um morador de rua.
A casa de papelão chamou a minha atenção por ter a estampa de vários candidados políticos, sendo que alguns se elegem e, na condição de autoridades, não percebem parte importante do seu ofício: Para entender a vida de quem habita as ruas é preciso derrubar mitos, desfazer-se de preconceitos, compreender as situações sócio-econômicas e culturais que rondam a vida dessas pessoas há mais de 500 anos. Esse meu encontro com Franceílton ocorreu em 2007. Momento revelador, transformador, do tipo que nos faz enxergar a vida de outra forma. Mas em relação aos que habitam as ruas, sinto muito ter que abrir o meu coração com tanta franqueza, porém, essa experiência refletiu-se em tão somente ver com os meus próprios olhos. Só, aqui do meu observatório, só sei que nada sei.

Há pouco tempo, eu reencontrei um amigo da minha adolescência. Quando me viu, ele correu em minha direção todo sorridente. Não pensei duas vezes: Abracei, beijei, porém, não tive coragem de perguntar o óbvio: Como você está? Tudo bem com você? Aquele garoto sempre queimado de sol, adorador dos esportes, que deixava todas as meninas suspirando, hoje sobrevive miseravelmente nas ruas. Mas no meio da cabeleira desgrenhada, da poeira de sua face, das vestes vagabundas, da realidade triste, eu jamais deixaria de reconhecer a nobreza daquele olhar, a generosidade daquele sorriso de quem um dia foi lindo também por fora. Perdeu-se em outra dimensão, em muitas viagens e agora está à margem.

Hoje eu estava no supermercado, já no caixa, abrindo a carteira para pagar as compras. De repente, um mendigo pediu-me R$0,80 para inteirar R$5,00. Passou um filme em minha cabeça e, antes que eu pudesse me manifestar, o segurança veio fazer o trabalho dele. Não pude resistir aos olhos daquele ser humano, pois, segurei-lhe pelo braço e, coincidentemente, R$0,80 era o que eu tinha no meu porta-moedas. O segurança me olhou torto, eu agradeci contrariada e, ao sair do mercado, desconfiei que o maltrapilho queria comprar comida naquele estabelecimento. Pois, e se fosse bebida? Eis que a aparência esfarrapada do invisível social – percebido pelo mero acaso do enfado - inviabilizou a sua sagrada liberdade, o seu direito constitucional de ir e vir.

Do livro de Jornalismo literário "Vidas em pauta - o cotidiano", o texto "Habitar as ruas" está disponível na íntegra no seguinte link: 

11 comentários:

osfantinis disse...

Ola, seu texto aborda um grande conflito que travamos conosco todas as vezes que nos deparamos com um pedinte, devo dar dinheiro ou não? Será que assim ajudo ou atrapalho? Eu confesso que sempre enfrento esse dilema, e sempre penso como deveria agir para ajudar verdadeiramente?
Mas, ao chegar ao conforto do nosso lar muitas vezes esse desconforto passa e só retorna quanto estamos novamente frente a frente com o "problema", sim é um problema, pois o irmão que tem fome não pode esperar que eu abastado no conforto do meu lar decida quando e a quem ajudar.

Em meu blog escrevo sobre empreendedorismo, assunto pelo qual sou apaixonado, o estado realmente é falho e cabe a nós cidadão e principalmente aos empreendedores olhar com bondade e empreender a serviço dos necessitados, quando o empreendedor cria, tudo a sua volta se transforma tudo melhora, e assim a vida das pessoas tambem, pois o empreendedor entende que ele só ganha de forma sustentável quando a comunidade ganha.

Empreendedorismo sustentável, vamos erguer essa bandeira.
potencializando.com Empreendedorismo Solidário e sustentável

edna kobori disse...

Eu não daria dinheiro a um morador de rua pois a bebida e as drogas causam estragos irreversíveis na vida dessas pessoas. Você pode simplesmente tratá-lo com educação e respeito (como se fosse tratar um parente distante, ou um bom vizinho) e se possível dê um pouco do seu tempo para uma conversa amigável.
Qualquer coisa que você fizer para acabar com o medo, o preconceito e o egoísmo que as pessoas têm em relação aos moradores de rua certamente será muito mais valioso e significativo na resolução deste problema social.
Mas se ainda assim você quiser dá-lo algo para comer, ao invés de um pão com manteiga e café com leite, ofereça um queijo quente ou um cheese-salada com refrigerante ou chocolate quente. Ele não vai esquecer deste lanche por um bom tempo.
edna kobori
http://melhoresdiasparatodos.blogspot.com

PS:procuro entidades, grupos e pessoas que atuam junto à moradores de rua e/ou pessoas carentes em geral para manter contato, trocar idéias etc. Encontrei este blog através do Google.

Anônimo disse...

Edna: Vc há de convir comigo que quando vamos à padaria não levamos muito dinheiro. Dei o que pude comprar com o troco que eu tinha no bolso. Sobre os estragos irreversíveis: Essas pessoas já estão no fundo do poço. Sobre as conversas e o carinho: Converso, beijo e abraço sem o menor problema. Quer saber? Peguei piolho, e daí? O problema é que algumas pessoas não dão nada, nem a atenção, e criticam o assistencialismo. Isso está mais claro no link que tem o trabalho completo, conforme coloquei no final do post.
Agradeço imensamente a sua visita. Beijos e felicidades sempre.

Anônimo disse...

osfantini: Fiquei muito feliz com o seu comentário. Empreendedorismo Solidário e sustentável! Maravilhoso! Eu sei que muitos moradores de rua têm problemas com o álcool, com drogas, etc. Mas não são todos. Esse que foi o meu personagem principal no livro, por exemplo, é um trabalhador. E baseada em tudo que apurei mas não pude colocar no livro por uma questão de espaço, sim, muitos moradores de rua se encaixam perfeitamente numa proposta de Empreendedorismo Solidário e sustentável. Os demais, os que têm problemas de saúde, precisam de tratamento adequado, de atenção redobrada, não de um prato de sopa e um abrigo municipal, que nem sempre tem vaga pra todo mundo. Essas pessoas precisam de humanidade. Agradeço muito o seu precioso comentário aqui no blog. Um forte abraço.

edna kobori disse...

a sugestão era para o comentarista que disse ter dúvidas de como agir diante um pedinte ...

Anônimo disse...

Um breve comentário para refletir se coloque no lugar do pedinte. Pronto? Agora pense em você nas ruas desse mundo, sem ter o que comer, uma coberta para se aquecer, uma comida quentinha. Imaginou? Agora imagine que você precisa muito de alguns centavos para enterar o que comer ou beber, e resolve pedir a uma pessoa, como se sentiria sendo rejeitado por essa pessoa que só porque que tem dinheiro ,casa, emprego acham que são mais do que você.Imaginou?
E agora você daria ou não as moedas para o pedinte?
Eu teria a mesma atitude que a Lu .
Nesse mundo não somos nem melhor e nem pior do que ninguém. Porque se você se imaginou agora como um pedinte você foi um pedinte por alguns segundos. E quem garante que não pode ser de verdade amanhã.
Ninguém é melhor do que ninguém.
Paula Pereira (blog gordinhas & sexi)

Anônimo disse...

Uma das coisas que mais chamou a minha atenção quando escrevi as páginas para o capítulo daquele livro sobre invisibilidade social, de fato, foi a REJEIÇÃO. Os moradores de rua fazem parte da sociedade e, como tais, há bons e maus entre eles. Mas todos são vistos como estorvos, sem exceções. Eu aceito a proposta do poder público de não dar esmolas, desde que eles façam a parte deles. Tem prefeitura que recolhe seus mendigos e despeja em outras cidades! Isso é fato, é verdade, é realidade. É óbvio que não vou sair distribuindo esmolas por aí, no entanto, acho muito cômodo olhar para uma campanha que diz não dê esmolas e pronto, fica o dito pelo não dito. Valeu, Paulinha!!!

jotapeh9907 disse...

Este texto seu é contagiante!
Me fez relembrar muitas cenas parecidas
Se todo mundo fizesse isso pelo menos uma vez ao ano, tenho certeza que íamos agradar muito ao criador do Universo
Parabéns

Anônimo disse...

jotapeh9907: Recebo o seu comentário com muita emoção. Que Deus te abençoe sempre. Um forte e afetuoso abraço para você e muito obrigada por visitar o blog.

Anônimo disse...

Agora já sabemos mais um meio que a população de rua dispõe pra sustentar seu vício em crack... A bondade alheia... Parem de dar esmolas, estamos sustentando o vício dessa população.

Anônimo disse...

Eu gosto de ser humano sem conflitos, de gente que expõe opinião corajosa, principalmente, de gente que se identifica quando diz aos outros o que é certo e o que é errado. Obrigada pelo comentário, senhor(a)(?). Um forte abraço.

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