Caleidoscópio

on sexta-feira, 16 de abril de 2010


O bondinho passa sobre os Arcos da Lapa percorrendo os caminhos de Santa Teresa. Eu não pude ir embora sem antes me despedir desses sobrados, dessa atmosfera de cariocas alternativos. Andei pelas ruas de paralelepípedos entrando e saindo dos ateliês onde artistas locais e os gringos vestidos de cáqui parecem falar a mesma língua. Constatei que esse lugar é mais do que um bairro, é um mundo à parte. À espera de outro bonde para descer a ladeira, sempre avisto o Cristo, sorrio, braços abertos me acolhem. 

Quase fiquei arrependida de nunca acreditar em previsão do tempo. Até poucos minutos atrás estava sol e de súbito chove em torrentes! Não encontrei abrigo nos casarões que tanto venero. Pois nem procurei, resolvi correr entre os trilhos por onde Carmelitas desfilam sua irreverência no Carnaval. Só parei quando fui surpreendida por uma criança pulando nas poças d´água, jorrando a alegria de sua meninice.

“De quimeras mil”, avistei ao longe minha mãe sentada na soleira de uma porta imponente e a ouvi tirar do baú mais uma de suas preciosidades do Mercado, bairro santista onde não passam mais os bondes, nem o bloco carnavalesco dos Chineses. 

- Aqui há os que olham, mas ignoram o abandono. Há os que vêem, mas só enxergam em ruas sujas as brincadeiras de infância. - constatou.

Na linha do tempo, o Mercado foi centro, hoje é margem. Na linha do progresso, o Mercado foi tudo, hoje é pouco. Na linha do regresso, o Mercado foi vida, hoje é memória. Revirando a poeira, minha mãe encontra o momento em que meu avô fabricava o sabão em barra usado na limpeza dos inúmeros cômodos. Há tempos, da casa restou escombros e do meu avô lembranças.

- Mamãe, como se fabrica sabão em casa? – perguntei.

- Nem queira saber, minha filha! Imagine você que quando o sabão em pó chegou o recebemos com festa na praça! - contou-me.

- Festa para o sabão, mamãe! – exclamei.

À margem do que minha mãe atina, encontro o centro do que mercado nenhum tem para vender.

- Os tempos eram outros, minha filha! Sua avó tinha 10 filhos. Aprendi a costurar e lavar minhas próprias roupas com 7 anos de idade. Nosso sabão em barra, feito por meu pai, era desastroso porque a matéria-prima era o sebo. Além de não fazer espuma, o odor não era lá muito agradável. Contudo, nossa vida tinha mais cores. Há 50 anos, eu tinha 12 de idade, 5 de tanque e muitas felicidades, muitos anos de vida. - descreveu-me.

- Então o sabão em pó mudou a sua vida, mamãe? – perguntei.

- Ah, sim! Curiosa, eu abri o meu primeiro pacote e segui as instruções. A partir do sabão em pó, descobri que o meu trabalho diário poderia ter perfumes. Em seguida, que minhas brincadeiras poderiam ser mais emocionantes. O talo do mamoeiro era usado como canudinho e assim descobri as bolinhas de sabão. – explicou-me.

Saí de Santa Teresa direto para o aeroporto Santos Dumont. No céu, vi bolinhas multicoloridas, grandes e pequenas, asas de minha imaginação. Desembarquei em São Paulo, desci a serra, cheguei a Santos. Atrasada como sempre, fui direto ao funeral. Sentindo tristeza com ares de felicidade, doces saudades gris, gotas salgadas com reflexos de luz, despedi-me de mamãe.

9 comentários:

Tiozão das Batidas disse...

Ô Lu Vaz, não entendi o final. Funeral de quem ?

Anônimo disse...
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Anônimo disse...

Oi, tio! Da mãe da personagem. É ficção. Minha mãe, a dona Cabelinhos de Algodão Doce, tá ótima, Graças a Deus. Beijão, meu lindo!

Unknown disse...

Oí Lú quero informar a vc e a todos do diHITT que se por acaso alguém receber algum comentário em meu nome vindo do endereço everardo36@hotmail.com por favor desconsiderar pois eu suspeito que me foi roubado esse endereço. Recebi um comunicado da amiga ThaLyScal que recebeu um e-mail pedindo uma quantia alta em dinheiro dizendo que eu estava com problemas de saúde sendo que eu graças a Deus estou gozando de boa saúde e não tenha tanta amizade assim com amiga a ponto de pedi-lhe dinheiro, Infelizmente fui vitima de alguém sem nem uma moral e respeito com o ser humano porquê esse indevido não deve ser racional muito menos humano. Um grande abraço e eu agora estou com um outro e-mail bem parecido com o antigo e um gmail que são: everardo-36@hotmail.com veja que esse agora tem um tracinho antes do 36, e o gmail que é: everardosilva9@gmail.com, beijos.

Anônimo disse...

Everardo: Acabei de pegar o seu recado. Que coisa absurda! Se eu puder fazer algo pra te ajudar a divulgar ou resolver o problema, por favor, me avise. Se entrar algum comentário no meu blog usando o seu nome, eu te aviso imediamente. Um beijo da Lu.

Leila Franca disse...

Oi Luciana,

Ler este post me deixou arrepiada. Lembrei do cheiro da fábrica de sabão em barra quando passava pela avenida Brasil. Era o mesmo cheiro do sabão manchadinho como se fosse pele de onça pintada que minha vó usava. Antigamente só havia esse sabão. Lembrei também das bolinhas de sabão que eu fazia mas usando talo de mamona como canudinho, guerra de mamona!!! Criança de hoje não brinca de guerra de mamona. Lembrei dos canudinhos perfeitos que meu pai fazia com folha de revista, e meu canudo sempre ficava todo amassado. Canudinhos finos pra bolinhas pequenas e canudões de boca larga para os bolões.... Lembro de fazer canudo com fumaça de cigarro dentro lá em Boston... uma novidade pras crianças americanas que gritavam "Cool!"

Jackie Freitas disse...

Oi Lú!
Adorei essa narrativa ,querida! Me fez lembrar de quando eu era pequena e corria na lavanderia e pegava sabão em pó para brincar de bolinhas de sabão...e também usava o talo do mamoeiro! Época feliz.
Toda despedida nos remete a um passado feliz...acho que é essa lembrança que queremos guardar para sempre daqueles que partem. Pelo menos é assim pra mim.
Adorei a sensibilidade e o envolvimento do seu texto!
Grande beijo,
Jackie

Mr.Jones disse...

Luciana, eu li e ficava passando na minha cabeça a historia como se fosse um filme, ahahahaha
legal.
abçs

IL disse...

Como vai, Lu? Tudo bem? Que texto lindo. Bem escrito e que faz referência a um que eu adoro: Santa Tersa, lugar maravilhoso. vira e mexe pinto por lá.

Forte abraço. Até a próxima.

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